Entrevista:
ary moraes
Por Katharina Farina
Ary Moraes é autor do livro Infografia: história e projeto, uma adaptação de sua dissertação de mestrado. Trabalhou com infografia no jornal O Dia. Fez doutorado e mestrado em design na PUC-Rio. É formado em desenho industrial pela UFRJ e em jornalismo pela Uerj. Atualmente, é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ.
Você já pensava em integrar a formação em desenho industrial com a de jornalismo de desde a faculdade?
Já, desde sempre. Eu trabalhava numa fábrica de dia e estudava à noite. Aí eu comecei a fazer charge. Teve um concurso de charge no Jornal dos Esportes – por causa desse concurso, eu acabei ficando lá, fazendo charge esportiva. Dali, eu fui para O Dia, que naquela época estava fazendo uma reforma editorial. Eles identificaram a possibilidade de crescer para outro nível e começaram a investir em vários setores, e numa reforma gráfica. Acompanhei esse processo todo. A infografia, eu tinha contato com ela (até no livro, eu falo isso) pelas enciclopédias, pelas coisas que eu tinha em casa. Eu gostava daquilo, eu fazia aquilo, e adorava aquele negócio. Mas a gente não tinha contato com aquilo pelo jornal. No Brasil, ainda era raríssimo você ver, a não ser na National Geographic, produzida aqui também. Era o único lugar que publicava isso.
No livro, você menciona que, nessa fase, foram chamados muitos designers de fora. Você observa algum traço característico da infografia brasileira?
O que eu defendo é que nós usamos vários recursos diferentes – o gestual, a expressão – associados à palavra. E a gente tem uma relação com o drama, com a história, que é muito forte. Basta falar “novela”. Você vê que, volta e meia, a ideia de novela aparece em análises de outras coisas: no futebol se usa muito essa expressão, na política. Isso aparece muito em jornal, também: a gente costuma contar histórias muito sob essa perspectiva narrativa.
A infografia cresceu aqui no Brasil misturando elementos desse contexto. A gente tem uma entonação pela infografia figurativa. Você usa o desenho, usa a ilustração. Outra questão aparece nas construções, você usa cores de uma forma diferente. Se o mesmo trabalho fosse publicado na Europa, ou nos Estados Unidos, certamente aquelas cores não entrariam. Certa vez, durante um Malofiej, eu até levantei essa questão numa discussão. Era um trabalho sobre Carnaval, e alguém lá fez uma observação sobre o uso de cor. Aí eu perguntei para o cara se ele já tinha participado do Carnaval no Brasil, assistido a um desfile de escola de samba – e não.
No jornalismo americano, principalmente os países nórdicos, ali, eles têm um certo distanciamento. Não que eles não usem esses recursos de personagem, da história, mas a abordagem deles é um pouco mais distante. Nos anos 1990, um dos pontos identificados foi exatamente esse - se pretendia reforçar uma certa objetividade, enxugar um pouco o texto, você fazer um texto mais curto, mais direto, mas isso muito em função de onde vinham as consultorias que se usaram nas reformas aqui.
Uma tendência que eu acho positiva, e que ela vai se manifestar marcadamente a partir da segunda metade dos anos 1990, é a de você tirar o gráfico daquele quadrado que ele tem. Você vai fazer o gráfico descer pela página, ele vai interagir com outras partes do texto, no impresso. O infográfico meio que antecipou o design de notícias que vem a seguir. Então, você começa a trabalhar o espaço da página de uma maneira completamente diferente. A gente fazia gráficos de uma página inteira em que o gráfico era a matéria. E depois, você vai identificar isso em outras situações - reportagens, o cara vai fazendo um trabalho com tipografia, tipografia e foto, trabalho só com foto. Você começa a criar uma forma totalmente diferente.
O que faz um infográfico deixar de ser inserido numa matéria para ser a própria matéria no meio digital?
No caso do digital, eu acho que a gente ainda está num processo de transição, por causa do suporte. Antes, você tinha bem definido: o impresso e o digital, que era o site do jornal. Agora, você tem uma série de possibilidades em tablets, em celulares, e também nos recursos que você tem dentro desses ambientes. Como é que você vai pensar em termos de direção, de arte, de design, dentro desse contexto? É algo totalmente novo. Esse tipo de gráfico, que o Globo publicou ontem, Folha e Estado [de São Paulo] vêm fazendo há algum tempo, eles se situam dentro dessa transição. A gente está tentando adaptar uma linguagem, desenvolver uma linguagem, para esse sistema. Esses trabalhos são trabalhos de rolagem. Você tem um gráfico ali no meio. Aquela construção é outra coisa. Eu acho precipitado você decretar aquilo como infográfico. A gente precisa de um tempo para maturar isso, ver como essa coisa vai se estruturar.
Particularmente, eu não acho que aquilo é infográfico. Eu acho que aquilo ali é uma linguagem diferente, é outra coisa. É parecido com a visualização de dados. A visualização de dados é outra coisa. Está associada à infografia, para alguns é até um ramo da infografia. Mas eu acho que visualização é uma coisa e infografia é outra. É claro, tem uma interseção entre os dois, mas você não pode aplicar os mesmos conceitos, as mesmas propostas. É isso que separa: o infográfico, ele é narrativo, descritivo, explicativo. A visualização é demonstrativa. Ela mostra. Vai ser necessário alguém para narrar aquilo que ela está mostrando. Tem uma diferença aí.
Pensando nessa transição de ferramentas: para você, a infografia é mais popular hoje em dia por que temos mais ferramentas ou por que o público pede mais?
A gente ainda está pesquisando isso. Em certa medida, é aquela coisa do ovo ou a galinha – uma coisa vai puxando a outra. Na medida em que você hoje tem o smartphone, você quer ver filme, jornal, notícia, nele. Você não quer mais o papel – ou você quer menos o papel. O que eu acho é que, da mesma maneira, a infografia apareceu num contexto favorável. Você tinha a computação gráfica se instalando, você tinha uma reforma grande nas técnicas e tecnologias de impressão. Na mesma época em que a gente começou a trabalhar com infográfico aqui, teve a reforma nos parques gráficos. As editoras passaram a imprimir em cor, por exemplo. Os programas de editoração também vão se desenvolvendo. Tudo isso contribuiu para as condições desse tipo de projeto.Essa mudança nas perspectivas desse cenário vai depender muito do desenvolvimento dos gadgets. Você pode até procurar isso: o American Press Institute fez nos anos 1990 uma pesquisa que procurava pensar como seria um jornal do futuro. Eu lembro até que, na época, chegaram a simular um aparelho que eles julgavam que fosse o aparelho usado pelo jornalismo. O que é engraçado nisso: ninguém pensou que seria um aparelho para uso geral, para qualquer coisa, como é o telefone – que nem mais é telefone, você usa muito pouco para escrever e mais para escrever, para assistir. A ideia na época é que você tivesse gadgets para cada coisa. Graças ao Steve Jobs, a gente eliminou essas etapas. Eu acho que a gente é muito dependente dessa tecnologia, do desenvolvimento dessa tecnologia. Onde ela for, a gente vai atrás. Você tem hoje o desenvolvimento de alguns protótipos de relógio, de óculos – você vai ter que adaptar o jornal para isso.
Você considera que, agora que temos veículos online, a infografia ganha importância porque ela dá um olhar mais analítico?
Ela fica contra a parede: supostamente, ela deveria ser um elemento superimportante nesse contexto, especialmente por essa capacidade de análise, de explicação. Por outro lado, você continua tendo o mesmo tempo para apuração. O leitor quer ver a notícia instantaneamente, só que você não apura instantaneamente. Tem que localizar a fonte, o cara tem que te atender, às vezes tem que fazer uma pesquisa e levantar imagens, entrevistas anteriores, dados. Por mais ágeis que sejam os programas de administração, gerenciamento, arquivo, distribuição, essas coisas, tem um ser humano ali que precisa de tempo para processar. E aí você tem que preparar estratégias. Você vai estabelecendo um protocolo: aconteceu um acidente, a coisa mais fácil de fazer é um mapa. E depois, ao longo do dia, você vai atualizando as informações.
Como você chegou às cinco etapas de produção (apuração, seleção de dados, projeto, produção e avaliação final)?
Você tinha de um lado, o jornalismo, do outro, o design. Aquele fluxo faz parte do design. Você ensina projeto a partir daquilo, o designer vai pensar o projeto de uma forma diferente. O jornalismo nunca tinha contemplado isso. Quando chega ali nos anos 1980, 1990, uma interseção vai crescendo. Ao meu entender, a infografia é capital, é importantíssima, no desenvolvimento do jornalismo durante os anos 1990, sobretudo na forma e no modo de pensar do jornalismo, porque você tem que incorporar essas coisas.
Durante muito tempo, as pessoas se entrincheravam no jornalismo, e aí brigava, gritava, demitia e execrava. Eu fui xingado de tudo que é maneira, e eu tenho consciência disso. Mas eu tenho consciência, também, que a minha geração de profissionais de imagem no jornalismo, aqui no Rio, em São Paulo, a gente abriu uma frente. Levou as pessoas a pensarem nisso. O jornal é muito fruto, também, daquilo que a gente pensa sobre ele. Você tem hoje uma realidade tecnológica que é determinante. Mas você precisa se equipar, sistematizar a sua produção para atendê-la.

Foto: Reprodução