A infografia ontem,
hoje e amanhã
Por Katharina Farina
Você já os viu por aí. Às vezes, têm texto – outras, não. Às vezes, têm desenhos – outras, não. Mas funcionam da mesma maneira que uma matéria normal num jornal: estão ali para dar informação. Os infográficos ganharam espaço nos jornais e revistas a partir da década de 1980 e hoje dominam a internet.
O uso de esquemas para comunicar não é algo novo. Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, a vida nas cidades criou uma demanda por mapas e sistemas de sinalização. O primeiro nome de destaque na criação de gráficos não era um artista, como se pode pensar: foi o economista William Playfair, que viveu nessa época. E os famosos gráficos de barra que hoje estão em qualquer relatório de empresa foram criados por um bispo (e matemático) francês no século XIV.
Mas só no século XX foram criadas as regras usadas pelos infografistas até hoje. Os pesquisadores de uma escola de psicologia experimental chamada Gestalt começaram a investigar o que o nosso cérebro faz quando vê algo. Os fundamentos básicos que eles delimitaram são forças que unificam ou separam os elementos captados pela visão. Cores, contornos e a distância entre formas são interpretadas como dicas: nos dizem se os elementos fazem parte de um mesmo grupo.
A interpretação que o cérebro faz de tudo que vemos se chama visualização. O designer Alberto Cairo, que já deu aulas sobre infografia em mais de 20 países, afirma que a visualização pode ser uma ferramenta poderosa na leitura de dados:
– A visualização facilita o ato de condensar, sumarizar esses dados e apresentá-los como padrões visuais. E nós somos muito bons percebendo padrões visuais baseados em cor, tamanho, posição de objeto, etc. O cérebro humano evoluiu para isso – defende Cairo.
Além de ser um dos princípios do design, a Gestalt é usada para fazer com que o infográfico converse com a matéria. No e-book Infografe, o diretor de arte da Folha de S.Paulo, Mário Kanno, mostra uma pesquisa de eyetracking que conclui: o leitor vê a página como um todo. Nossos olhos são atraídos por imagens, e se elas estão apenas largadas num canto da página, vamos passar batido pelo texto. Por outro lado, se você entremeia os gráficos e o texto, aumenta a probabilidade de o público ler o texto.

Alberto Cairo
Foto: Reprodução
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Fonte: Infografe, ebook escrito por Mário Kanno, da Folha de S.Paulo.
Disponível para download gratuito no site Infolide.
O infografista Ary Moraes conta que, aqui no Brasil, essa tendência de fazer os infográficos conversarem com o texto antecipou o design de notícias que vem a seguir, porque os jornais começaram a trabalhar o espaço da página de uma maneira completamente diferente. Moraes trabalhava no jornal O Dia quando a infografia chegou ao Brasil, na década de 1990. Foi uma época de modernização dos jornais, da edição à impressão.
Além de investir em programas de editoração eletrônica e parques gráficos, os maiores jornais do Brasil chamaram consultorias para ensinar infografia aos designers brasileiros – mas o diálogo nem sempre foi fácil. A palavra de ordem na infografia era objetividade. Expor dados para o leitor explorá-los à sua maneira, fazendo comparações e correlações – só que, no país da novela, o público e os produtores da notícia estavam acostumados com outra estética.
– Nós usamos vários recursos diferentes, como o gestual, a expressão, associados à palavra. Temos uma relação com o drama, com a história, que é muito forte. A infografia cresceu aqui no Brasil misturando elementos desse contexto, uma entonação pela infografia figurativa, usando o desenho, a ilustração – afirma Moraes, que é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ.
Marcelo Pliger, infografista da Folha de S.Paulo e professor de infografia na ESPM-SP, acredita que o brasileiro é afetado por um apelo visual porque há um bombardeio de imagens muito mais forte aqui do que em vários outros países.
– Eu costumo comparar: em Buenos Aires ou qualquer cidade da Argentina, em cada rua, cada esquina, você vai encontrar um café, e nesse café tem vários jornais e revistas que você pode pegar gratuitamente e ler enquanto toma o seu café. No Brasil, você vai ter em cada esquina uma padaria, e dentro de cada padaria você vai ter uma televisão ligada no que quer que chame a atenção das pessoas. Pode ser um jogo, pode ser a novela. Eu acho que faz parte da cultura do brasileiro estar acostumado com um apelo visual muito forte – opina Pliger.
Dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, publicada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, confirmam essa teoria. A televisão foi apontada como o meio de comunicação mais utilizado por 93% dos entrevistados. E o Mapeamento da Mídia Digital no Brasil, um relatório da Open Society Foundations publicado em agosto de 2014, revelou que havia televisores em 98,3% dos lares brasileiros em 2011.
Hoje, a linguagem da imagem foi redesenhada para a internet. No começo, o conteúdo publicado por jornais e revistas eram cópias dos textos, com os infográficos em imagens estáticas. Mas a linguagem foi se refinando até chegar à criação de páginas especiais onde uma reportagem inclui tipos diferentes de mídia: texto, vídeo, áudio, fotos e gráficos. O jornal americano The New York Times foi pioneiro na criação desse formato, com a reportagem Snow Fall em 2012 – que inclui até gráficos animados.
O desafio agora é produzir conteúdo visual para telas cada vez menores. A empresa de análise de mídias ComScore revelou na pesquisa Brazil: Digital Future in Focus 2015 que o internauta brasileiro está migrando do computador desktop para gadgets, como smartphones e tablets. Em números absolutos, 84,6 milhões de pessoas acessam a internet no Brasil. Desses, 38,3 milhões usam smartphones e tablets, sendo que 8,7 milhões usam exclusivamente esses dispositivos.
O tempo gasto visualizações de página já é maior do que em desktop. A média de minutos por visitante caiu 8,9%, enquanto a média de páginas por visitante diminuiu 17%. Como alguns usuários pararam de usar o desktop, o número de pessoas que acessam conteúdo exclusivamente através de aparelhos móveis aumentou 7%. E o mercado mobile promete para os produtores de notícias: elas tiveram aumento de 26% nos acessos em tablets e celulares.
Por causa do avanço dessa tecnologia, além de ter que criar gráficos interativos, com recursos como zoom, os infografistas precisam pensar em conteúdo multiplataforma. De acordo com Marcelo Pliger, os melhores resultados não são aqueles em que houve uma adaptação do papel para o online, e sim os que são feitos especificamente para aquela mídia. Com isso, o tempo de trabalho duplica, ou até triplica. A solução para esse problema é a organização do tempo – algo natural para os designers, mas nem tanto para os jornalistas.
– O designer é um cara formado em planejar coisas, ou seja: projetar. Pensar hoje o que eu vou ter durante o tempo que durar o projeto. O jornalista, até pela própria característica do jornalismo, pensa muito pela urgência. A notícia mais importante é a última que aconteceu. Por causa disso, ele gasta muita energia trabalhando com essa criação nova, e pouca energia pensando no que ele vai fazer amanhã, menos energia no que ele vai fazer na semana que vem, e quase nenhuma no que ele vai fazer no mês que vem, ou no ano que vem – compara Pliger.
Ary Moraes conta que essa diferença no modo de pensar era um desafio na época em que a infografia chegou ao Brasil.
– O jornalismo nunca tinha contemplado isso. Nos anos 1980, 1990, uma interseção vai crescendo. Durante muito tempo, as pessoas se entrincheiravam no jornalismo, e aí brigava, gritava, demitia e execrava. Eu fui xingado de tudo que é maneira, e eu tenho consciência disso. Mas eu tenho consciência, também, de que a minha geração de profissionais de imagem no jornalismo, aqui no Rio e em São Paulo, a gente abriu uma frente. Levou as pessoas a pensarem nisso – afirma Moraes.
A produção de infográficos também esbarra na falta de entendimento, por parte dos próprios jornalistas e designers, sobre a função da infografia. Muitas vezes, ela é vista como uma versão mais simples da matéria – quando não é usada como ilustração.
– A gente não está aqui necessariamente para simplificar, mas para esclarecer, que é uma coisa diferente. Às vezes, esclarecer informações implica na redução da quantidade de informação que se apresenta ao leitor. Mas, em muitas ocasiões, para você apresentar uma história clara, precisa aumentar a quantidade de dados. Se não, muitas vezes você vai apresentar uma informação incompleta – explica Alberto Cairo.
A infografia e o jornalismo visual ganharam mais espaço nas redações por causa da quantidade de informação produzida no planeta, o big data. O estudo “Quanta informação?”, feito em 2003 por uma equipe da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, calculou que se toda a informação produzida no mundo fosse dividida igualmente pelas pessoas, cada um produziria 800 megabytes só naquele ano. A quantidade cabe num pen drive dos mais baratos hoje em dia. Em 2014, a empresa de armazenamento de dados EMC atualizou esse estudo e concluiu que, em 2020, cada pessoa seria responsável por 6 mil gigabytes. Quase um milhão de vezes a quantidade de 2003. Um prato cheio para quem ganha a vida compartilhando informação.

Ary Moraes
Foto: Reprodução Globo Universidade
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Marcelo Pliger apresenta infográfico sobre o caso Isabela Nardoni na conferência Infolide de 2009.
Foto: Reprodução
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Foto: Aline Lira
A aluna Aline Lira fez um perfil do infografista, que trabalha há 17 anos no jornal O Globo. Hoje, Alvim cria infográficos para os meios impresso e digital.
Gostou do assunto e quer saber mais? Dê uma olhada nas entrevistas completas com os infografistas Alberto Cairo, Ary Moraes e Marcelo Pliger.