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A polêmica subjetividade no jornalismo

Desde que o jornalismo é jornalismo existe a discussão a respeito da subjetividade na profissão. Mas a partir de meados do século XX, quando o padrão do lead (isto é, as seis perguntas básicas para iniciar uma matéria – o que, quem, onde, quando, como, por quê) passou a prevalecer na mídia ocidental, a polêmica foi minimizada devido à supremacia do conceito de objetividade no processo de produção de notícias.

 

Com a quebra do modelo receptor-transmissor a partir da difusão das novas tecnologias, em que qualquer cidadão comum pode criar conteúdo, e também pela crise de credibilidade por que passa a imprensa, retomar essa discussão torna-se relevante para compreender muitas das críticas que têm sido feitas ao jornalismo.

 

Para a jornalista Adriana Carranca, repórter especial do Estadão, a crise é das empresas jornalísticas, e não do jornalismo. Porém, ela acredita que essa “turbulência” serve para sinalizar outros caminhos para a produção da notícia. Na visão de Adriana – que pratica o que chama de “jornalismo humanitário” –, a perseguição pelo famoso “furo” é loucura. Ela defende que a notícia precisa ser mais trabalhada, exceto em casos como um alerta de tsunami ou a queda de um presidente, fatos que inegavelmente pedem por imediatismo.

 

Adepta do “slow journalism”, o qual propõe um maior tempo para a produção de pauta, Adriana acredita que com a chegada das novas ferramentas digitais, como as mídias sociais, se instaurou uma crise de profundidade: “tudo é muito rápido e descartável”. E para ela é nesse contexto que o jornalismo se reforça por meio da apuração minuciosa dos fatos: “Nada nunca é preto e branco. Uma história tem 10 lados, as pessoas são muito complexas”, afirma. A subjetividade entraria nessa linha? Na visão da jornalista, não.

 

– Eu não me considero subjetiva. Deixo a Adriana em casa e estou ali como jornalista. Quando cubro confrontos como os de Israel e Gaza, por exemplo, sempre recebo reclamações de subjetividade. Mas não cabe a mim balancear uma guerra desbalanceada. Quem diz que está errado é a lei, não eu. Minha reportagem é escrita objetivamente – defende.

 

Pegando como exemplo o caso do Brasil, em que críticas à imprensa tiveram seu auge nas manifestações de 2013, podemos observar que uma das maiores demandas da população foi por uma mídia mais imparcial e menos tendenciosa. A questão da imparcialidade trata da maneira mais equilibrada de reportar um fato, ouvindo os dois lados. Ela é ligada tanto à objetividade como à subjetividade do jornalista.

 

Na contramão da visão de Adriana sobre subjetividade, a jornalista Fabiana Moraes, repórter especial do Jornal do Commercio, sugere o conceito de “jornalismo de subjetividade”. Para ela, esta é apenas uma forma de enxergar o jornalismo feito com mais profundidade, menos apegado à proposta inicial da pauta e mais aberto enxergar nos percalços para a realização das matérias uma oportunidade de desfazer estereótipos. O trabalho de Fabiana que se tornou livro, “O nascimento de Joicy”, reflete essa premissa.

 

Nascido de uma reportagem que fazia durante seu período de doutorado em sociologia, “O nascimento de Joicy” venceu o prêmio Esso (mais nobre reconhecimento aos trabalhos jornalísticos no Brasil) de melhor reportagem impressa, em 2011. Ele retrata o processo de mudança de sexo de um transsexual do Sertão do Pernambuco e os obstáculos enfrentados durante a trajetória. Fabiana destaca que o que a motivou a escolher Joicy foi o seu perfil completamente diferente das transexuais que conhecia até então: Joicy era meio masculina, não usava batom, roupas extravagantes e nem parecia desesperada para assumir a identidade feminina convencional.

 

A escolha foi objeto de estranhamento. A fala de um dos médicos ilustra o que viria a ser a pergunta de muitos: “Por que você escolheu a pior delas, que nem mulher é?”. E a incredulidade não veio só de fora: os próprios colegas de redação também se mostraram avessos à escolha, a ponto de reproduzirem falas como “não entendo porque passou tanto tempo atrás de uma pobre e feia”. Mas Fabiana ressalta: passada a desaprovação inicial, depois de lida a reportagem “todos queriam abraçá-la”. Para a jornalista, foi esse o legado de Joicy.

 

– Ela me ensinou a trazer o “sujo” que não pressupomos quando saímos para fazer pauta, tudo aquilo que escapa no nosso processo de sugestão de pauta. Ela me ensinou que é necessário assumirmos isso, o limite da objetividade – afirma.

  Quando reconhece a resistência de alguns jornalistas em relação ao termo “subjetividade”, Fabiana não esconde sua perplexidade. Segundo ela, esse tipo de “implicância” dos colegas a impressiona muito, pois “parece que eles querem eleger uma verdade única”. E é aí que a tal da “subjetividade” se fortalece na visão dela: “Esse ideal de verdade única não existe. Precisamos pensar porque o jornalismo está tão satisfeito com a objetividade, já que é a subjetividade que dá conta da complexidade das coisas”. Mas vale ressaltar que ela não rejeita os princípios da objetividade que garantem a boa apuração: apenas defende um maior equilíbrio entre os dois conceitos.

Adriana Carranca: Reprodução

Por Ericka Kellner

Veja aqui uma entrevista em que Fabiana fala sobre a produção de “O nascimento de Joicy”.

jornalismo literário

O Jornalismo Literário, corrente surgida na Europa ainda no século XIX, busca mesclar características do jornalismo “clássico”, isto é, o foco na divulgação de informações, com elementos da literatura. As matérias de jornalismo literário revelam também uma história, além da notícia em si. “A informação ganha companhia de adjetivos, personagens, enredos, histórico do assunto e contextualização que não teriam oportunidade de ganhar vida no cotidiano jornalístico”, como definiu Angelica Fabiane Weise em artigo no Observatório da Imprensa. Talvez o exemplo de reportagem mais conhecido deste gênero seja Frank Sinatra está resfriado, de Gay Talese. Nela, o jornalista norte-americano produz um perfil muito bem detalhado do famoso “blue eyes”, sem sequer falar com ele. Talese passou dias visitando o hotel onde Sinatra estava hospedado, em Los Angeles, na esperança de que o cantor estivesse melhor a ponto de conceder-lhe uma entrevista. Sinatra não melhorou, e a tal entrevista não aconteceu. No entanto, mesmo de longe, Talese observava as atividades do cantor, e entrevistou várias pessoas a ele ligadas, o que resultou em uma célebre reportagem. No Brasil, o jornalista José Hamilton Ribeiro é uma referência, publicando diversas matérias com estas características para a revista Realidade, que circulou entre 1966 e 1976. Uma das mais marcantes foi O gosto da guerra, publicada em 1968, após o jornalista ser enviado para cobrir a Guerra do Vietnã. José Hamilton sofreu um grave acidente ao pisar em uma mina, perdendo uma perna.

 

Por apresentar tais características, supõe-se que neste gênero do jornalismo impere a subjetividade, partindo do pressuposto de que esta se manifesta somente no texto. Será que isso é verdade? Dentro do meio jornalístico, há uma corrente que critica a falta de subjetividade na pena dos jornalistas brasileiros, e que estes estariam se transformando em meros técnicos da informação.

 

Arthur Dapieve, colunista do jornal O Globo e professor da disciplina Jornalismo Cultural na PUC-Rio (na qual o Jornalismo Literário é muito abordado), tem outra visão sobre o assunto. Para ele, é impossível que se escreva algo sem qualquer traço subjetivo, portanto nenhum jornalista é um técnico da informação: “Mesmo o texto mais objetivo, informando mais estatísticas e números, é unificado pela subjetividade do jornalista, pelo próprio recorte da pauta”. É frequente a crítica à homogeneidade dos textos dos periódicos. Às vezes é difícil diferenciar dois veículos tendo como base a mesma notícia. Para o professor, isso não se deve à supremacia da objetividade, e sim ao que está sendo noticiado: “Toda história tem um grau de subjetividade, seja uma sessão do Congresso ou uma partida de futebol. No entanto, há assuntos em que a subjetividade é mais importante”.

 

Dapieve defende que a subjetividade está menos presente nas editorias de Polícia, Economia e Política (sessões do jornal que tratam de assuntos cotidianos) porque há fatos concretos a serem informados, nos quais a subjetividade do repórter tem pouca interferência. E elucida: uma matéria em um jornal diário sobre a aparente epidemia de microcefalia no Nordeste não carece de subjetividade. Ela teria lugar em uma reportagem especial, acompanhando uma criança específica, ou o drama dos pais. “Na narrativa sobre o número de casos da doença, o papel da subjetividade tem que ser muito menor”, diz o professor.

 

O jornalista ainda fez uma análise da subjetividade na internet. Nas matérias online a objetividade impera. “As notícias são elaboradas e atualizadas constantemente. A pressa e a necessidade de informar rápido fazem com que a precisão da informação seja abalada”, afirma. Isso não é de todo o mal. Segundo Dapieve, as pessoas acessam as notícias postadas na rede para se informarem sobre o trânsito, ou sobre o último resultado do futebol.

 

O jornalista também diz ver uma homogeneização do jornalismo, movida pelo domínio da objetividade, mas não sem fazer uma ressalva: “Se prevalecesse a subjetividade, a homogeneidade também existiria. Embora as pessoas sejam diferentes, elas não são tão diferentes a ponto de escreverem coisas absolutamente distintas acerca de um mesmo assunto. Em um grupo de até cinquenta pessoas o texto de cada um será diferente, mas a subjetividade em ação vai ser meio parecida”. Dapieve aponta o caminho: “O barato e a sobrevivência do jornalismo se dá por meio de cotas, nas quais há objetividade e subjetividade se complementem. Sem objetividade não há apuração, não há notícia, e sem subjetividade não se tem impressão e reflexão. A combinação é que torna o veículo interessante”.

 

Por Lucas Gonzalez

Arthur Dapieve: Paula Bastos Araripe - Portal PUC-Rio Digital

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