Entrevista:
marcelo pliger
Por Katharina Farina
Marcelo Pliger começou a trabalhar com infografia no jornal Folha de S.Paulo em 1997 e não parou desde então. Fez doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP em 2012. Dá aula de infografia na ESPM-SP desde 2013.
De que maneira sua formação em arquitetura contribui na hora de fazer infográficos?
Uma das questões dessa área é você conseguir se comunicar visualmente: aprender a desenhar uma planta de prédio ou desenhar o corte de prédios e objetos. Como é que você consegue transmitir as suas ideias – no caso, o projeto de um prédio, de uma cidade – através de desenhos, de maneira que outras pessoas consigam entender o que você tem em mente.
Existe alguma definição simples para design da informação?
Olha, eu acho que deve existir muitas maneiras melhores do que qualquer bobagem que eu vou te dizer aqui. É complicado. É um termo difícil de você conseguir encaixotar numa definição curta e rápida. Para falar a verdade, nas aulas eu faço simplesmente o contrário: eu passo o não-padrão. No começo do curso, na primeira aula, a gente discute o que é e eu faço meio que um joguinho: “pegue o professor”. Tente explicar o que é infográfico, o que é informação, que eu tento quebrar com a explicação. Então, tem aluno que fala “infográfico tem que ter texto e imagem”, e eu mostro infográficos que só têm imagens. E se só tiver texto? “Aí não é infográfico” – aí eu mostro infográfico que só é texto, não tem imagem nenhuma. Parece bobo, mas a gente vai aos poucos descobrindo – eu acho que é mais importante descobrir as possibilidades da área do que a gente conseguir realmente definir o que é infográfico, o que é design da informação, esse tipo de coisa. Numa época em que o jornalismo está mudando tanto, é legal você poder pensar o jornalismo para fora das fronteiras que a gente costuma colocar. Pensar mais na essência do jornalismo e menos no “ah, isso não é jornalismo”. Peraí, por que não é? Talvez seja, se a raiz for a mesma. É o que eu penso.
Na sua tese de doutorado, você afirma que o infografista Jaime Serra usa “elementos pouco habituais para a construção de imagens” e “incorpora elementos do imaginário cultural” nos infográficos para construir expressividade. Você acredita que a expressividade é um dos fundamentos da infografia?
Eu acho que ela é um fundamento de qualquer forma de comunicação, e a infografia está inclusa. Uma das questões é que existia nos anos 1990, principalmente no começo dos anos 2000, uma certa rixa de alguns autores que diziam que como os infográficos nos anos 1980 e 1990 tinham muitas ilustrações, tinham um aspecto visual muito apelativo. Começaram a aparecer alguns autores que defendiam o desenho de um infográfico que fosse mais sóbrio, mais limpo. Só que muitos desses autores defendiam isso dizendo que isso era o que fazia um verdadeiro infográfico. O que eu, de certa maneira, defendo, é que essa simplicidade também é uma forma de se expressar. Não é que essa seja a única e melhor solução. Essa provavelmente é a melhor solução dentro daquela circunstância. Se eu preciso aparentar ser acadêmico, vou fazer algo que pareça ser acadêmica. Se eu for fazer um infográfico para uma revista mais popular, ou para televisão, fatalmente eu vou precisar de outros recursos visuais que façam com que as pessoas prestem atenção melhor na informação que eu estou querendo transmitir e que captem melhor essa informação.
Você concorda que o uso de ilustrações é brasileiro? Que nós refletimos o drama, a estética da novela, na infografia?
Eu concordo. Eu costumo dizer o seguinte: principalmente no Brasil, que é um país onde a televisão é muito forte – tem uma presença cultural, de lazer, na vida das pessoas, muito forte. Eu acho que o brasileiro é afetado por um apelo visual muito forte. Ele está acostumado a ter um bombardeio de imagens muito mais forte do que em vários outros países. Eu costumo comparar: se você vai a Buenos Aires ou qualquer cidade da Argentina, em cada rua, cada esquina, você vai encontrar um café, e nesse café tem vários jornais e revistas que você pode pegar gratuitamente e ler enquanto você toma o seu café. Se você está no Brasil, você vai ter em cada esquina uma padaria, e dentro de cada padaria você vai ter uma televisão, ligada no que quer que seja que chame a atenção das pessoas: pode ser um jogo, pode ser a novela. Eu acho que faz parte da cultura do brasileiro estar acostumado com um apelo visual muito forte. Por isso, eu acho que os infográficos – não todos – estão ligados à cultura brasileira porque têm essa expressividade mais forte, mais apelativa, mais virtuosa no sentido, no aspecto gráfico, visual.
Num post no Infolide que você escreveu sobre o trabalho de Jaime Serra a frase “A chave desses trabalhos não está mais na materialidade gráfica das ferramentas, mas no raciocínio gráfico, em formas surpreendentes de pensar visualmente”. Você observa esse raciocínio gráfico em desenvolvimento?
Eu acho que sim, não só por causa dos infográficos. No Brasil, a gente tem a questão da televisão. A nível mundial, a gente tem uma questão que é o surgimento da internet. Ela torna a transmissão de informação mais picotada, ela tem um apelo visual muito forte, até porque você tem mais informação e ela é mais picotada. A internet usa muito a imagem para chamar a atenção do leitor. O seu olho navega na tela do computador, ele navega em primeiro lugar pelos desenhos, pelas fotografias – tem site que tem fotografias pequenas para cada uma das matérias. Então sim, acho que isso já é uma condição do mundo contemporâneo. Acho que os designers, os infografistas, eles estão inseridos nesse contexto, vivem e se inspiram nisso. Então, eles têm que ficar expostos a esse mundo. Eles têm que atender a um público que está começando a ficar acostumado com esse tipo de linguagem.
No seu site, você escreveu que “os melhores resultados costumam ser fruto de processos profundos e enriquecedores para todos os envolvidos”. Como é possível chegar a esses processos na correria da redação – principalmente levando em conta que agora o trabalho duplica ou triplica com o impresso e o digital?
Na minha cabeça, a melhor forma é a organização, no sentido de entender os processos de produção, se antecipar às notícias que estão acontecendo, ter material que permita que você não perca muito tempo desenhando. Quanto mais você consegue organizar um sistema que dê conta disso, mais tempo sobra para você parar e criar algo que seja diferente. É muito comum existir em redação - e eu acho que isso é a grande diferença de informação entre o designer e o jornalista (pelo menos essa é uma característica que eu observo hoje, em 2015, pode ser que isso mude): o designer é um cara formado em planejar coisas, ou seja: projetar. Pensar hoje o que eu vou ter durante o tempo que durar o projeto. O jornalista – até pela própria característica do jornalismo – ele pensa muito pela urgência. A notícia mais importante é a última que aconteceu. Por causa disso, ele gasta muita energia trabalhando com essa criação nova, e pouca energia pensando no que ele vai fazer amanhã, menos energia no que ele vai fazer na semana que vem, e quase nenhuma energia no que ele vai fazer no mês que vem, ou no ano que vem.
No seu portfolio no Visualoop, você escreveu: “não para construir, mas para desconstruir histórias em busca de fatos que podem ser úteis às pessoas”. Na sua opinião, os jornalistas compreendem essa função dos infografistas?
Tem aqueles que compreendem e os que não compreendem. Se a gente comparar com dez, 15 anos atrás, eu diria que há 15 anos 100% não compreendia. Pelo menos, 99,9%. Nesses últimos dez anos, já é uma área que você fala para as pessoas e elas não te olham achando que você cria robô, faz cirurgia de cérebro, ela já sabe do que se trata. Mas existem grandes diferenças – muitos jornalistas que acreditam que infográfico é uma coisa que, de fato, não é. Geralmente, é uma imagem de infográfico ligada só ao desenho. Não conseguem perceber a relação do desenho com a informação. Se eu não tiver informação sendo mostrada no gráfico, não é um infográfico. É uma ilustração. Não é nem melhor nem pior - mas é outra coisa.
A gente escuta muito que na internet não há as limitações de espaço que há no papel, mas com a popularização dos gadgets, as pessoas passam cada vez mais tempo com telas menores. Como você lida com o desafio de produzir infográficos para telas cada vez menores?
Isso é um desafio mesmo. Eu diria que são duas etapas: a primeira, que é inclusive uma briga minha com meus alunos na faculdade, é que muitas vezes as duas linguagens são exatamente isso: duas linguagens. Por exemplo, se eu faço um mapa sobre os ataques da França, eu tenho que fazer um mapa pensando que é para a internet, o digital – ele vai ser interativo, vai ser “clicável”, eu vou dar zoom – e eu tenho que fazer outro mapa para o impresso. Esse mapa não vai ter zoom, ele não vai ser interativo, mas eu tenho que conter todas as mesmas informações num mapa que vai ter tamanho fixo no papel, que funciona de modo completamente diferente, inclusive nas cores. Apesar de as informações serem as mesmas, o meio é completamente diferente.Isso requer, normalmente, um trabalho duplo. São raras as vezes que a gente consegue usar o mesmo material para as duas demandas. Às vezes, você consegue, mas normalmente você tem que fazer, no mínimo, adaptações. E os melhores resultados não são resultados onde houve uma adaptação, e sim aqueles que são feitos especificamente para aquela mídia.
Dada essa diferença, dentro das redações a segunda questão é conseguir organizar um trabalho de forma que a gente tem um trabalho complicado agora: há dez anos, eu fazia um mapa só em uma hora, meia hora. Agora tenho que fazê-lo em uma hora e fazer esse mesmo mapa para o site, o que às vezes leva mais tempo – duas horas. Então, alguns casos você triplicou o tempo que você leva fazendo o mesmo trabalho.
A terceira questão é a diferença de telas – a do celular, a do computador grande, a do tablet. Geralmente, é o mesmo princípio. A gente tenta, a princípio, dar uma atenção principalmente ao celular, porque acaba sendo como a gente tem mais leitura (o leitor acessa mais o celular), mas a gente não pode deixar de atender a pessoa que lê a matéria num computador, em casa. O tempo todo a gente tem que estar pensando em atender aos dois casos. Algumas vezes, inclusive, da mesma maneira, a gente tem que fazer um projeto para uma tela de celular e fazer outro para uma tela de computador grande.
Na sua opinião, nós estamos num momento de transição, ainda aprendendo a lidar com os gadgets, a produzir informação para a internet? Ou esse aprendizado vai ser sempre assim?
As duas coisas: é uma transição, mas o novo é o que a gente está vivendo agora. Não é que a gente esteja mudando e, agora começam a aparecer gadgets, daqui a dez anos e daqui a dez anos eles vão parar, se estabilizar. Não vai parar de ter mais gadget. Os aparelhos vão continuar aparecendo em escala cada vez maior, cada vez mais rápido. Quando eu entrei na faculdade de arquitetura, não existia computador pessoal, por exemplo. No meu último ano de faculdade, ganhei meu computador pessoal - nem tinha internet. Eu me lembro que, na época em que prenderam o Fernandinho Beira-Mar, estava tendo muitas rebeliões em prisões. Viraram para mim na Folha e disseram: olha, a gente precisa que você vá ao Rio de Janeiro para conseguir fazer uma imagem aérea desse presídio. Eu tive que pegar um avião para o Rio, ir a Bangu. Não davam acesso à imprensa, então eu fui num dia de visita. Entrei no meio dos visitantes sem máquina fotográfica, sem crachá de imprensa, dei uma circulada lá, desenhei um negócio à mão rapidinho para sair de lá, voltei para São Paulo, desenhei uma imagem aérea do presídio. Todo esse trabalho, hoje em dia você entra no Google Maps e está lá. Em dez segundos você tem essa informação.

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